Reportagem: Natália Garcia
Fotos extraídas de Plataforma Urbana
À primeira
vista, a foto acima parece ter sido tirada em Paris. Mas um olhar mais atento
nota que há algo estranho na paisagem da capital francesa. De outros ângulos,
fica ainda mais claro que essa não é a Cidade Luz.
Essas imagens são de Tianducheng, uma réplica de Paris construída em 2006 na província chinesa de Zheijiang, que tem uma Torre Eiffel e um Arco do Triunfo próprios. Tianducheng foi concebida para uma população de aproximadamente 10 mil habitantes, mas não conseguiu atrair mais de 2 mil. Hoje é uma cidade fantasma sem lastro cultural, com escassa atividade econômica e prédios vazios por serem inacessíveis financeiramente a grande parte de seus moradores – ao lado de habitações informais.
Essa é apenas
uma das muitas cidades fantasma que foram construídas no mundo sem
terem tido a capacidade de atrair moradores.
Mas por que essas cidades não deram certo?
O urbanista e sociólogo
Henry Lefebvre enunciou o que deveria ser a regra de ouro do planejamento
urbano: as funções determinam as formas, que determinam as estruturas. Nas
cidades medievais, por exemplo, a função de proteção da terra criou estruturas
muradas ao longo das manchas urbanas. Já nas cidades mercantilistas, as
pequenas vielas desembocavam em largos estruturados para atender à função dos
mercados de rua.
O que ocorreu após a
Revolução Industrial foi uma aceleração do crescimento econômico em uma escala
monstruosa, e o vetor de Lefebvre foi invertido. Em vez de as estruturas
estarem a serviço das funções das pessoas, as pessoas passaram a ficar a
serviço de estruturas. Estruturas de trabalho e de gestão política e das
próprias cidades. Para manter o crescimento econômico industrial, projetos de
hardware (ou seja, infraestrutura) foram criados sem pensar nos softwares (usos
possíveis dessa infraestrutura).
O que acontece é que junto
com as cidades fantasma, o mundo tem uma porção de cidades informais,
invisíveis. Compare por exemplo, a imagem que o Google Maps mostra da favela de
Kibera, uma das maiores do mundo, em Nairóbi, no Quênia:
Com a imagem de satélite da mesma região:
Essas cidades
invisíveis criam margens periféricas à formalidade. Em geral não são
contempladas nem pela economia nem pelo poder público formais – portanto criam
os seus próprios. E, talvez o maior importante, são as áreas que mais crescem
nas ondas de urbanização mundiais, de acordo com Mike Davis, autor de Planeta
Favela.
O inchaço das cidades
invisíveis quando há uma porção de cidades fantasma pelo mundo mostra a urgente
adaptação do planejamento urbano para uma disciplina mais focada em processos e
menos focada em estruturas – a exemplo do que tenta fazer o Department
Planing Unit da University College of London. Mas uma das iniciativas mais
interessantes que tenta contemplar as cidades invisíveis está fora da academia.
O Slum Dwellers International está tentando mapear manchas urbanas
informais pelo mundo, criar programas de gestão informais dessas cidades e
plataformas de trocas de informações e experiências entre favelas. Em outras
palavras: eles estão construindo um mapa-mundi em negativo, que joga luz e
esses emaranhados urbanos que não enxergamos, porque estão invisíveis à
formalidade. De acordo com o SDI, pode ser que as cidades invisíveis até o
final do século 21 acumulem a maioria das pessoas do mundo. Para Davis, a mão
de obra mundial já é majoritariamente informal. “Se o dinheiro que circula pelo
planeta fosse lastreado no trabalho das pessoas, o ranking das economias seria
invertido”, diz Davis.
É urgente a reinversão do
vetor de Lefebvre à ordem direta. Em vez de formatar pessoas que caibam nas
estruturas das cidades, precisamos recuperar a habilidade de planejar cidades
que contemplem a diversidade das pessoas.
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